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Couro no mobiliário

Fonte
Livro "A idade do couro no continente D'el Rey", de Helio Moro Mariante. Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore. 1979.
Capítulo II - O couro nos primórdios do Rio Grande do Sul
(...)
O período conhecido como IDADE DO COURO NO RIO GRANDE DO SUL, inicia com a proto-história gaúcha, quando os nativos começaram a utilizar o cavalo como meio de transporte e o gado bovino como fornecedor de alimento e de matéria prima para o seu incipiente artesanato imitando os gaudérios que perlustravam as campanhas sulinas.
Seu registro histórico iniciou em princípios do século XVII com a instalação dos Sete Povos das Missões. Segundo um abalizado historiador gaúcho, os guaicurús do sul (charruas, minuanos, etc), são os criadores da idade do couro no Rio Grande do Sul.
Seu fim pode ser situado no terceiro quartel do século XIX, quando, com o progresso sempre crescente da Capitania D'el Rey, novos métodos de vida começaram a influenciar o Continente. Não por que o couro tenha perdido sua influência econômica, fato que até hoje se faz presente, mas porque deixou de ser o artigo mais importante e quase exclusivo.
Capítulo VI - O couro no mobiliário
Se em nossos dias ainda grande é o emprego do couro na forração de móveis que guarnecem as residências, o que se não dizer então do seu uso nos primitivos tempos do Rio Grande do Sul.
Todos os viajantes que visitaram estes pagos (Pagos: o lar, os penates, o lugar onde se nasceu; o rincão, a querência, o povoado, o município donde se é natural e onde se reside; lugar de nascimento, terra natal. É também usada no singular.) no primeiro século de sua ocupação fazem referências a este aspecto, ressaltando a sua rusticidade e até pauperismo.
Invariavelmente as tarimbas, camas, berços, redes, assentos de cadeiras, bancos e marquesas, eram forradas de couro. Pode-se afirmar que este era o artigo de maior valor nessas rústicas residências.
Muitos desses observadores admiravam-se, até, de encontrar assentos forrados com peles de animais selvagens, como é o caso do já citado padre Strasser, ao descrever as moradias da povoação de São Pedro do Rio Grande, registrando:
"...Contudo, em cada casa é fácil encontrar uma ou duas peles de tigre, que colocam em bancos e cadeiras."
A cama, um dos mais úteis e indispensáveis trastes para contòrto do homem, encontrou no couro grande aplicação.
Walter Spalding comenta:
... Na sala ou varanda - mesa, mochos e bancos, às veres cadeiras com assentos de couro, inteiriço ou tramado, com ou sem encosto.
... Todo o mobiliário da sala consistia em uma mesa e cadeiras dobradiças de assentos de couro."
Francisco Ferreira de Souza observa:
Berços para crianças eram feitos de couro. Também as redes para descanso e que, por vezes, serviam também como camas, eram do mesmo material.
Em certos ranchos, até tampos de mesa eram inteiramente de couro.
Por largo tempo, mesmo nos ranchos, a gauchada ao invés de dormir em camas ou tarimbas, fazia-o sobre caronas e pelegos estendidos no solo, tendo o lombilho ou serigote como travesseiro. No verão dormiam sobre a parte do carnal do Pelego e, durante a estação fria, sobre a lã.
Assim, Robert Avé-Lallemant descreve essa experiência:
e John Luccock comenta:
Foi muito utilizado o couro na confecção de arcas, catres, baús, canastras e malas onde, na sua feitura, substituía a tábua, os pergos, as tachas e os arcos de metal. Utilizavam para tal, couros de belas estampas, criando verdadeiras obras de artesanato artístico.
Embora não se possa incluir na categoria de móvel, não podemos deixar de registrar outra grande utilidade da carona - a de servir de mesa. Comum é, em viagem, utilizar-se o gaúcho de sua carona como tal, não só para sua frugal refeição, como, principalmente, para cortar a carne ou picar o charque para um gostoso arroz-de-carreteiro.
Tapete e toalha de mesa entram no rol do aproveitamento do couro e o já citado John Luccock assim assistiu tal utilização:
Também como mesa de trabalho para os mais diversos misteres servia o couro, como, por exemplo, para sobre ela serem quebrados os feixes de erva-mate secados no carijo. (Carijo: jurau de varas onde se colocam os feixes de erva-mate para a secagem direta pelo calor do brasileiro que arde embaixo).